terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A ESCOLA E O SUJEITO SEGUNDO BOURDIEU

TITULO: A ESCOLA E O SUJEITO SEGUNDO BOURDIEU
AUTORA: CRISTIANE DO NASCIMENTO
ORIENTADOR: MSc. MARCOS ANTONIO CARDOSO


RESUMO

Este artigo tem o propósito de discutir as diferenças de oportunidades entre as classes dominantes e as dominadas e a função social da escola. Pretende ainda relatar a realidade da classe popular dentro dos conceitos de Bourdieu, e finalmente discutir a real função social da escola. Para melhor compreensão foi proposto o fato empírico das classes menos favorecidas resultando nas dificuldades e conquistas pela emancipação enquanto sujeito histórico dentro da teoria de Bourdieu, sociólogo e pesquisador das desigualdades sociais e as reproduções escolares, dividindo em capital-cultural, simbólico, social e econômico-para chegar o mais próximo da realidade social. Na visão de Bourdieu a realidade social no qual está inserida o sujeito se define na objetividade e subjetividade que ele denominou como habitus. Ou seja, a escola e o meio faz com que o sujeito desprovido economicamente e culturalmente, aceite sua situação muitas fezes inconscientemente como fonte de sobrevivência, deixando de sonhar em um futuro profissional. Um jogo de dominação das classes dominantes e do sistema educacional inculcando na classe dominada. Portanto, todo este jogo leva até os dias atuais, e podemos chamar de reprodução escolar. Esta reprodução escolar gera uma linha hierárquica, visando um mundo de desigualdades e desumano. Na qual seria a real função da escola, desmistificar essa realidade. Proporcionando um ensino de boa qualidade e oportunidade de um futuro promissor. Para Bourdieu para haver essa mudança à escola precisa ser neutra. Deixando de reproduzir sujeitos passivos para sujeitos construtores de sua própria história, com visão ética e valores sociais.


Palavras chave : Emancipação – Bourdieu – Escola – Sujeito


1 INTRODUÇÃO

A intenção deste artigo é refletir ou de ter uma nova visão holística sobre algumas questões referente a escola, sujeito e a reprodução escolar com base na teoria do autor Pierre Bourdieu, que foram se constituindo como realidade no meio social, ou seja, as idéias de Bourdieu se encaixam perfeitamente na construção do sujeito social, cultural e histórico com relação as categorias discutidas por Bourdieu com relação a espaço social, os campos e os tipos de capital onde os indivíduos são inseridos ao meio social; a escola e a reprodução das desigualdades sociais.
As classes sociais (Elites, classe média e classe popular) não obstante são consideráveis as diferenças dos favorecidos e menos favorecidos em termos dos tipos de capital econômico, simbólico, cultural e social na produção e reprodução social. Bourdieu (apud NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2004) define “violência simbólica”, com a estrutura de divisões na qual a classe favorecida valorize o seu meio cultural de um grupo verdadeiro, como sendo único. Dando com um referencial nas práticas esportivas, hábitos alimentares, vestimentas, casas, comportamentos, posturas, dotes, entre outras, para uma classificação de hierarquia. Em outras palavras, uma legitimação na divisão de grupos entre as classes dominantes e as dominadas.
A classe dominante, não teria problema algum, pois, desde cedo teve contato com a linguagem culta, são beneficiados com boas escolas, com grandes chances no mercado de trabalho. Proporcionando facilidades para alcançar seus objetivos e conquistar suas posições sem muitos desgastes emocionais e físicos. Além de ter a facilidade de adquirir o que se propõe, ainda pode planejar o futuro com grande perspectiva. Já a classe popular reserva valores de bens materiais, práticos e funcionais, evitando o supérfluo. Não tendo como proposta, um futuro planejado, muito menos em longo prazo.
Na perspectiva Bourdieusiana, é perceptível a herança familiar. A cultura está sendo proporcionada a todo instante, através do meio social. Tendo domínio na língua culta, literatura (das melhores obras) entre outras. No entanto, estes valores familiares dariam bastante êxito na vida escolar. A família estaria produzindo o seu meio social, cultural, e a escola reproduzindo o que se agregaria para uma origem social em uma visão holística
Para um sujeito que investe na educação de seu filho, com dificuldade financeira, é preciso obstinar, diminuir gastos domésticos para mantê-lo na escola, no auge de receber seu diploma, se depara com a burocracia e a desvalorização do diploma. Logo, percebe-se a desigualdade social. É formado, porém, não possui o capital simbólico, social para ajudá-lo a inserir-se no mercado de trabalho, esta dificuldade seria para dificultar a competitividade com os fidalgos . Mesmo porque é na classe dominante que se “encontra este profissional”, vindo de uma boa família, com bagagem educacional de ótima qualidade, como diz Nogueira e Nogueira (2004, p.) “munidos das competências, habilidades e disposições adequadas para ocupar determinado lugar social.”
Esta predeterminação já está inculcada no inconsciente da massa popular. Os pais até sonham dar o melhor para seus filhos, mas também sabem das suas condições financeiras. Acabam por se acomodar na possibilidade de oportunizar aos seus filhos a ler e escrever e logo pô-los no mercado de trabalho, como mero ofício de sobrevivência.
As oportunidades escolares à classe dominada seria apenas para aprender a ler e a escrever. Um grande número em massa estuda entre a segunda e quarta série. Assim que entram na adolescência vão para o mundo do trabalho. Um conhecimento escolar limitado que proporciona o trabalho de babá, doméstica, produção e área têxtil.
O tema em questão surgiu em função de um sistema escolar arbitrário, ou seja, um ensino de baixa qualidade para a massa popular. Enquanto para os dominantes seria mais exigido, ou melhor, preparados culturalmente. Essa desigualdade social foi e é determinante para uma acomodação inconsciente de subestimação e incompetência por parte dos menos favorecidos.
Para iniciar as reflexões desta temática na perspectiva de Bourdieu, inicia-se este artigo com a seguinte problematização: Desigualdade social - qual a contribuição da escola na perpetuação deste processo na sociedade moderna? A partir desta problematização busca-se como foco temático deste artigo: Qual a função social da escola na proposta político pedagógica. Para responder as inquietações e angústias que vai conduzindo o sujeito histórico social e cultural concebe os seguintes objetivos para este artigo: primeiramente pretende-se relatar as diferenças de oportunidades entre as classes dominantes e as dominadas. Neste sentido pretende-se caracterizar as oportunidades do capital (simbólico, cultural, econômico e social) entre as classes na perspectiva de Bourdieu. Pretende-se ainda relatar a realidade da classe popular dentro dos conceitos de Bourdieu, e finalmente discutir a real função social da escola.


2 DISCUTINDO CONCEITOS TRAÇADOS POR BOURDIEU PARA ANÁLISE DE SUA PESQUISA.

Para melhor entendimento de algumas categorias que neste artigo, estará fazendo uma rápida discussão à luz da teoria de Pierre Bourdieu (apud NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2004) para melhor entendimento das reflexões ao longo deste trabalho.

• Capital Simbólico: Se for analisar a fundo o termo capital simbólico, particularmente esta linhagem vem buscando preservar o patamar de sabedoria, nomes importantes, dotes inumeráveis. Não cabe aqui neste artigo discutir fatos históricos. Mas fazer uma reflexão, que esta simbologia não está denominada somente em um sistema capitalista. No entanto o capitalismo é alvo forte na constituição da reprodução de poder, institualizando um seguimento cultural, econômico e social de forma hierárquica dos bens acumulados. Em outras palavras, seria o status valorizado na classe dominante.
• Capital cultural: O sujeito que passou o seu desenvolvimento em um nível de classe privilegiado, tem acesso a bons livros, a uma linguagem culta, a etiquetas, a uma boa alimentação, teatro, músicas e uma variedade de oportunidades que no olhar, já se identifica uma pessoa letrada . Por alguma razão pode até usar roupas simples, mas nunca perderá sua cultura física e abstrata. O físico no que se refere, é a sua postura e abstrato é o conhecimento, a inteligibilidade incorporada.
• Capital Econômico: Este capital econômico está incorporado na estrutura entre as classes voltada para a reprodução subjetiva e objetiva. Sendo uma determinante para a descentralização entre as classes.
• Cultura Social: Garante o espaço social. Ter este capital facilita o mercado de trabalho, escolar, matrimonial. Estes capitais vão se encadeando um ao outro de forma a dificultar a entrada da classe popular ao meio das elites. Ou seja, o processo seletivo entre as classes sociais.

• Habitus: Habitus seria denominado por Bourdieu, como forma de identificar uma classe social. Onde, inconsciente e consciente aceitaram sua condição social legitimada e arbitrária. Essas definições ficariam assim:
• A elite: Não teriam problemas, pois possuem todas as estruturas necessárias para o sucesso profissional e matrimonial. Valorizam seu meio com coisas supérfluas, atitudes alimentares mais sofisticadas, tem um paladar mais refinado, roupas finas, músicas, linguagens diplomáticas coesivas, etc
• A classe média: Teriam uma preocupação em ocupar o espaço entre as elites e manter seus filhos nas melhores escolas. Para terem o sucesso cultural, economizam o máximo, pensando no futuro. Podem até não ter o capital econômico, mas vão à busca do capital cultural para obter um contato significativo no capital social.
• A classe popular: Já possuem em sua mente, que tudo é difícil e que para sobreviver não há outra escolha a não ser trabalhar somente para o sustento da família. Evitam sonhar em mudança social porque a dificuldade já está condicionada pela falta de cultura e recursos econômicos. Acabam aceitando a vida subalterna, mesmo porque a sua passagem escolar é limitada e de baixo rendimento. Esta escolarização é valorizada como fonte de aprender a ler e escrever.


3 QUAL O TAMANHO DA NOSSA LIBERDADE? AS VIVÊNCIAS SOCIAIS:

A liberdade é um sentimento subjetivo e controlado inconscientemente por uma hierarquia ( dominantes) implícita que aos poucos foram tomando conta das classes dominadas. Um poder sobre o outro marcado na história, muito antes da vinda de Cristo onde já existiam os líderes. Os reis que comandam seus reinados e todos seus subalternos, classificando assim as desigualdades por etinias, religião, entre outros. A igreja católica também é responsável por esta desigualdade social. Havia um grande interesse religioso e político que poucas pessoas obtivesse conhecimentos das leituras, condicionando a eles uma liberdade imposta. Pessoas leigas que não reivindicassem seus direitos. E aos poucos foram tomando seu espaço como fosse natural. Depois da igreja a escola veio com força total para disparar as desigualdades sociais, oferecendo conteúdos prontos e repetitivos para os sujeitos não terem que pensar. Na verdade foi um ensino que embrutecesse o pensamento e deixando os mesmos “passivos”. Certamente com uma direção convencional onde o homem é o responsável pela família e ser um bom trabalhador e a mulher dona de casa. A mulher que não tivesse um laço matrimonial deveria ser freira ou professora.Segundo Berger e Luckman (apud TEDESCO, 1989, p.19) “estes seriam o retrato de Habitus sutilmente produzido pelo trabalho pedagógico e familiar constituído individualmente, em virtude do qual cada indivíduo sofre diferentemente os efeitos da mesma causa, ou seja, pensamentos passados de geração a geração”.
Para a classe dominada que acoplava essas idéias inconscientemente e tendo dificuldade financeira, acabavam comprometendo o futuro de seus filhos. Pois acreditavam que seus filhos não teriam sucesso escolar ou que não adiantaria um diploma para o mercado de trabalho. Sabia que o filho aprendesse a ler e escrever já poderiam entrar no mercado de trabalho. Bernstein (apud TEDESCO, 1989, p.20) traz esta questão dizendo que “não é por acaso que o maior fracasso da ação pedagógica escolar ocorre nos primeiros graus da escola elementar, dedicados à aprendizagem da leitura e da escrita”. No século XX houve um grande índice de pessoas que são alfabetizados funcionais e analfabetos.



4 EMANCIPAÇÃO COMO PROCESSO HISTÓRICO DE CONQUISTA.


A oportunidade do capital cultural é um fato multissecular , razões de muitas pesquisas para entender fracassos na vida social. Fica claro no período “Feudal” a descentralização de classes culturais e econômicas. Como se fosse uma pirâmide de escala, onde que na ponta ou, no auge fica o reinado, logo após a igreja (clero) responsável em “condicionar” os servos, com pensamentos dogmas, mistificando a própria liberdade como sujeito histórico e por último os vassalos sendo visto como objeto de trabalho. Em troca de um pedaço de terra – terra que não seria sua, definitivamente - teria que ser fiel, entregando parte de sua produção e pagando impostos. Já no século XVIII o povo começou a ter esperança de um futuro melhor, com mais oportunidades sociais, mas isso se firmaria na sociedade capitalista liberal por volta do século XIX. (PATTO, 1996). De acordo com as afirmações de Tedesco (1989, p.15.), “não basta constatar que a pirâmide se correlaciona com a pirâmide social. O papel do sistema educativo reside fundamentalmente em legitimar essa escala de desigualdades com um argumento natural”.
Os ensinamentos escolares –escritas e leituras- eram oportunizados somente aos filhos das elites. Enquanto os filhos da classe popular seriam de reproduzir a cultura onde está inserido. Uma cultura com poucos conhecimentos- grande parte da população era analfabeta – valorizando o que pode ter de concreto, dispersando o que seria supérfluo. BOURDIEU (apud NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2004) chama este concreto de “a escolha do necessário”. E esta escolha do necessário está inserida quanto o futuro do filho no sistema escolar, não existe uma cobrança mesmo porque seria um sonho ter uma profissão ou uma preparação para um futuro mais promissor e duvidoso. A classe popular acredita muitas vezes que essa peculiaridade dos capitais, ou seja, dessas classificações “habitus” e acabam aceitando suas condições de vida.




5 A ESCOLA E A SUA AMBIGUIDADE, COMO FONTE PERPETUADORA DA CLASSE POPULAR NA PERSPECTIVAS DE BOURDIEU

Para Bourdieu (apud NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2004) o sistema escolar é ambíguo no sentido de ser arbitrária, legitimando conhecimentos diferenciados entre as classes e que para não tivessem essa característica no meio escolar ela precisaria ser neutra para acabar com reprodução e legitimação das desigualdades sociais. Segundo ele,
(...) por mais que se democratize o acesso ao ensino a escola pública e gratuita, continuará existindo forte correlação entre as desigualdades sociais, sobre tudo culturais, e as desigualdades ou hierarquias internas aos sistemas de ensino. Essa correlação só pode ser explicada, na perspectiva bourdieusiana, quando se considera que a escola dissimuladamente valoriza e exige do aluno determinadas qualidades que são desigualmente distribuídas entre as classes sociais (...) (BOURDIEU apud NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2004, p.93).

Para Nogueira e Catani (2005) o sistema escolar “é um dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece a aparência de legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom social tratado como dom natural”. Pois seria mais viável ter o poder dos menos favorecidos nas mãos, podendo ser controlados sem se dar conta. Segundo Enguita (1989) a escola seria para ter o conhecimento suficiente, pois é preciso ter pessoas submissas. Que não reivindicam, que não questionem. Por muito tempo a escola teve a função de delimitar conhecimento amplo. Bourdieu – Passeron (apud SILVA, 1990) diz que a função da escola “reside sobretudo em legitimar as desigualdades produzidas no âmbito da família, transmutando-as em diferenças em esforços de aquisição perante a cultura escolar” . A escola foi configurada em duas modalidades, cada uma respondendo as necessidades das relações sociais. Na qual uma seria para as crianças da classe dominante e a outra para as crianças da classe dominada. Bordieu – Passeron (apud SILVA, 1990, p.159) diz que
(...) diferentes tipos de escolas enfatizam diferentes tipos de relações sociais, de acordo com um padrão pelo qual as escolas às quais têm acesso as crianças destinadas ao trabalho manual enfatizam relações sociais de subordinação. Inversamente, em escolas freqüentemente pelas crianças das classes dominantes predominariam relações sociais que enfatizariam o auto-controle. O efeito combinado dessas duas características estruturais (nível do ensino, tipo de escola) é que teria como resultado final a produção de diferentes tipos de personalidade, em correspondência com as diferentes posições na hierarquia ocupacional.


Ainda com Bourdieu – Passeron (apud SILVA, 1990, p.159) os níveis escolares mais baixos transmitem apenas a versão destinada às classes dominadas. Como essas vão ficando pelo caminho, são lhes inculcadas apenas aquelas idéias que reforçam uma posição subordinada nas relações sociais de produção. Marchezan (2000, p 13) afirma que “as escolas que atendem as populações mais pobres geralmente oferecem um ensino de qualidade inferior e, assim, reforçam a exclusão social, econômico e político” e diz ainda que a escola
não tem o poder mágico de tirar uma família desempregada, sem casa ou sem terra, da situação de penúria. Mas há suficiente evidência estatística de que a educação abre horizontes de emprego, aumenta a produtividade, desenvolve a criatividade, melhora o salário, orienta a pessoa para cuidar melhor de sua saúde, enfim, de que a educação é uma chave para uma vida digna (MARCHEZAN, 2000, p,16).

COMENIUS (apud INCONTRY, 2004, p.131) diz que “na educação da juventude, usou-se quase sempre um método tão duro que as escolas são consideradas como os espantalhos das crianças, ou as câmaras de tortura das inteligências.”



6 RELATOS DA “REALIDADE CLASSE POPULAR” DENTRO DOS CONCEITOS DE BOURDIEU

Na questão da dificuldade dos pais manterem suas filhas na escola devido a questão financeira, gera o pensamento que o homem é para o trabalho pesado e a mulher preparada para ser mãe e dona de casa. E essas idéias é o que Bourdieu chama de habitus como se fosse um cerne internalizado na objetividade e subjetividade, consciente ou inconscientemente.
A expressão que faz uso do dito popular, onde os homens reproduziam, ‘mulher é para esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque’ serve como batalha de lutar contra esta idéia. E com essa luta pode-se dizer que: ”Gosto de ser gente, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas,consciente do inacabamento, sei que posso ir além dele esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado” Freire (1996, p.59,) Com o passar do tempo, algumas mulheres muitas vezes chegam a pensar que os homens e alguns de meus familiares estão certos. Mesmo fazendo faculdade muitas delas ainda acabam trabalhando na limpeza. Depois de um ano e meio, mais ou menos conseguem o seu primeiro trabalho sem ser como servente ou doméstica. Conseguem enfim quebrar um paradigma. Dando um passo a frente profissionalmente. Percebe-se que apesar de não ter concluído o curso técnico ou superior, as portas de emprego começa então por uma nova valorização. Segundo Tedesco (1989, p.20) diz que “os títulos são uma evidência da posse de certo capital cultural, que pode ser – por intermédio de um diploma – convertido numa mercadoria que tem valor determinado, de acordo com as leis do mercado”.
Marx (apud SILVA, 1990) defendia a idéia de que a classe trabalhadora deveria unir-se com o propósito de derrubar os capitalistas e aniquilar de vez a característica abusiva deste sistema, cada vez mais intensificadas pelas grandes diferenças sociais.
Aos poucos tanto o homem quanto a mulher estão conquistando um espaço. Como diz Jacotot (apud RANCIÈRE, 2002, 53) que é “preciso aprender a começar e a terminar, a fazer por si mesmo um todo” e é nesta busca que as pessoas visam um melhoramento pessoal e profissional. Este recomeço pessoal, essa renovação da formação do sujeito em busca de um espaço, que foi negado através de todo um contexto social em que são inseridos, seria a procura da emancipação. Neste sentido Demo (2003, p.78) salienta que emancipação “é o processo histórico de conquista e exercício da qualidade de ator consciente e produtivo... sujeito capaz de se definir e de ocupar espaço próprio, recusando ser reduzido a objeto.”
Durante o percurso acadêmico, têm-se o privilégio de obter alguns projetos e artigo e neles pode-se observar que a escola e a família ainda condiciona, perpetua, legitima inconscientemente a sua função social. Em pleno século XXI ainda há famílias produzindo e escolas reproduzindo os mesmos conceitos nas desigualdades sociais e a herança familiar descritos por Bourdieu.
Neste projeto Pesquisando Profissões com uma turma da terceira série e uma outra turma do EJA foram abordadas questões para fazer o prognósticos dos alunos e eis aqui algumas falas:
“Eu preciso estudar muito para ser zeladora igual minha mãe”
“eu quero ser cabeleireira igual minha mãe”
“vou estudar só mais um pouco, porque meu pai é mecânico de carro e ele disse que para ser mecânico não precisa de estudo. Precisa sim conhecer o carro por dentro e fora. Conhecer as ferramentas. E isso ele já está me ensinando”
no EJA as respostas foram:
“voltei estudar para conseguir um emprego de açougueiro”
“quero ser eletricista de carro”
“quero aprender a ler as receitas de tricô e poder ganhar dinheiro vendendo toalhas e para ler a bíblia”
“quero ser professora e melhorar a minha escrita, meu marido é muito inteligente. Ele voltou a estudar e hoje é um professor de uma faculdade”
Quanto ao artigo quase todos declaram que voltaram a estudar para garantir o emprego e/ou conseguir um novo emprego.
Nessa falas pode-se relacionar a definição de Bourdieu no qual ele chama de habitus, uma forma de identificar a sua classe social. Denominada pelos capitais; cultural, simbólico, econômico e social. É inconsciente esta aceitação como condição social perpetuada culturalmente pela herança familiar e a reprodução escolar.




7 REFLEXÕES FINAIS

Por muitas vezes a escola tem a função fundamental para o crescimento pessoal e coletivo do sujeito histórico, principalmente das classes dominante e média que estão envoltas simbolicamente com o meio social mais elevado. Mas também, a escola tem o poder de anular o ego do sujeito demonstrando a sua incapacidade pessoal, passando uma “idéia” de trabalho apenas para sobrevivência, um caminho linear que hoje, várias pesquisa “tentam” identificar onde ocorreu o dito “fracasso escolar”. De quem é a culpa, do professor, do aluno, da gestão escolar ou da política pedagógica? Esta problemática não será aqui discutida, mas é uma questão para reflexão.
Max Gehringer, ex- executivo de empresas, atualmente comentarista de empregos e carreiras da revista Época foi convidado pela revista Profissão Mestre para responder algumas questões na coluna Ponto de Vista do mês de junho de 2007 tendo como título Pagando em dobro. Em algumas das questões ele comenta de um professor que falou para uma turma de 50 alunos (ele estava incluso): “de todos vocês, 45 não vão chegar a lugar algum na vida profissional. Portanto, fiquem à vontade. Façam farra, matem aula e colem nas provas. Eu estou aqui para tentar ajudar os 5 que querem ser alguém na vida”. Para esses profissionais que vêem seus alunos como fora do padrão certamente se não falam, pensam desta forma (GEHRINGER, 2007). E é também este “professor”, que contribui para que a escola continue a perpetuar as desigualdades sociais sistematizadas por uma grade curricular fragmentada, porém regulamentada e oficializada pela proposta político pedagógica da escola.
Ferreira Neto (s.d.) relaciona esta questão quando fala sobre o fato da escola ou do professor cumprirem simplesmente um calendário ou um “currículo” para repassar conhecimentos, não ressignificando os valores e as necessidades do educando, sem provocar a criticidade dentro das mensagens trabalhadas.
A escola contribui na perpetuação da desigualdade na sociedade moderna, reproduzindo sujeitos alienados, muitas vezes sem a sua própria autoria, esperando sempre as coisas prontas, pois não sabe tomar decisões ou perceber mensagens críticas, muitas vezes até aceitando imposições por falta de conhecimento. A escola rotula as pessoas de incapazes, muitas vezes de forma inconsciente e implícita, como se fosse natural; é a esta realidade que o sujeito pertence e que luta por mudança. Percebe-se a necessidade de abster-se deste condicionamento, buscando a liberdade, o conhecimento. Embora, com muita dificuldade de interpretação de leitura, entende-se que é preciso buscar meios de trabalhar esta falta que a escola proporcionou.
Pires (apud INCONTRY, 2004, p.54) indica a necessidade do esforço contínuo do homem para se superar a si mesmo e às circunstâncias. Para Bourdieu (2004) a escola deve ser neutra, ou seja, igualar as oportunidades de conhecimento, de trabalho para todas as classes. O sujeito é que deve buscar a sua determinação de futuro e não a escola arbitrária conduzindo ao insucesso pessoal. Castrogiovanni (2003, 13) também traz esta questão na perspectivas de que a “escola não se manifesta atraente frente ao mundo contemporâneo, pois não dá conta de explicar e textualizar as novas leituras de vidas”.
A massa popular precisa querer tomar seu espaço, buscar novos conhecimentos, não fala-se aqui em busca de capital econômico, mas sim cultural, social. A escola precisa valorizar o aluno como sujeito histórico, este não pode se sentir inferior diante de pessoas economicamente melhor estruturadas, uma vez que saiba se comunicar, reivindicar, reconhecer seu espaço, seus direitos.
Considerando esse novo sujeito crítico e participativo, segundo Libâneo (1994, p.39) “a escola é um meio insubstituível de contribuição para as lutas democráticas, na medida em que possibilita às classes populares, terem acesso ao saber sistematizado e às potencialidades intelectuais (...)”.
Partindo da idéia de que a escola deixe de ser arbitrária e desenvolva a neutralidade entre as classes sociais, Ferreira Neto (s.d., p.7) diz que a
escola se rejuvenesce, se transforma (...) tem motivos para acreditar no amanhã de seus educandos, (...) alimentar em cada um deles o sonho de viver uma vida melhor, nutridos ainda pela esperança de poder ajudar na construção de um mundo melhor.


Acredita-se que o papel da escola deva ser o de contribuir para a formação de sujeitos críticos, que participem ativamente da vida social e que tenham condições de lutar por seus direitos e ter uma vida digna.




8 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_______. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: Escritos de educação. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

CAMARGO, Pedro de. O Mestre na Educação. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. 1976.

COSTALONGA, Elida Maria Fiorot. Educação: mitos e medos impedem as transformações. Jornal da Alfabetizadora. n.32. São Paulo: Kuarup, n. 32. 1993

DEMO, Pedro. Pesquisa:Princípio Científico e Educativo. 10.ed. São Paulo: Cortez, 2003.

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FERREIRA NETO, Augusto (coord). Proposta Pedagógica da Escola Comunitária: Reflexão e Princípios para a Ação. 2.ed. Brasíla-DF: CNEC, s.d.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa 31. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

GEHRINGER, Max. Pagando o dobro. Profissão Mestre. Curitiba, n.93, p.25, jun 2007.

INCONTRY, Dora. Pedagogia Espírita. Bragança Paulista- SP: Comenius, 2004.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 15.ed. São Paulo: Cortez,1994

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NOGUEIRA, Maria Alice; NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins. Bourdieu & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

MARCHEZAN, Nelson. Plano Nacional de Educação. Brasília: 2000.

PATTO, Maria Helena Souza. A produção de fracasso escolar: história de submissão e rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz, 1996.

RANCIÉRE, Jacques. O mestre ignorante: Cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autentica, 2002.

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TEDESCO, Juan Carlos. Sociologia da Educação. 3.ed. São Paulo: Cortez, 1989.




ANEXO



MINHA HISTÓRIA INCLUIDA NA PESQUISA DE PIERRE BOURDIEU

Quando comecei estudar este autor para um seminário no primeiro semestre do curso Normal Superior, na faculdade do Iesville no ano de 2005 tive grande dificuldade de entender. Aos poucos fui fazendo ligações com minha história na dificuldade de ascensão escolar e a aceitação da família quanto ao nosso futuro profissional. “Principalmente nos capítulos “A herança familiar desigual e suas implicações escolares” e ” A escola e o processo de reprodução das desigualdades sociais”.
Um pouco de minha história, onde fui fazendo a junção da realidade e a teoria de Pierre Bourdieu.
Meu pai veio de uma cultura onde a reprodução escolar era muito forte, onde o homem seria o responsável pela família e todos os gastos. A mulher teria a função de cuidar da casa e dos filhos. E acreditava que suas filhas mulheres não teriam sucesso escolar então tirava da escola quando aprendiam a ler e escrever para trabalhar de babá, doméstica ou em fábrica têxtil mesmo porque não havia possibilidade de nos manter, pois o investimento seria em longo prazo e só ele não poderia manter o gasto familiar, eram oito a usar a luz, água, sem contar a comida que era uma das preocupações muito forte para meu pai. Ele (pai) nos dizia que a mulher teria duas chances de se dar bem, uma seria nascer em uma família de classe média ou casar com um homem bem sucedido. Aos quatorze anos me casei – uma criança – constitui minha família, tive três filhos, meu marido não concordava com a idéia que trabalhasse e muito menos que estudasse. Por esta e outras razões depois de quatro anos e meio nos separamos.
Comecei a trabalhar e mudar minha vida, pois havia cansado de um relacionamento fracassado. No primeiro momento não pensava mais na possibilidade de ser professora. O que eu queria era trabalhar, meu pensamento estava limitado, como se a vida fosse simplesmente um ciclo, “trabalho-casa” “casa-trabalho”. O pensamento maior vem em querer adquirir a casa própria, um suposto carro para passear com a família. Essa reprodução vai agindo em nosso ser, ao ponto de não perceber o quanto somos sujeitos construtores do nosso seu próprio futuro, deixando o medo condicionado de impossibilitar a busca de novos horizontes, conhecimentos e até deixar um futuro profissional preso como se fosse impossível de atingir. Ao entrar na disputa de uma vaga para trabalhar encontrei dificuldades para conseguir alcançar o meu objetivo que era o tão almejado “trabalho”, pois não tinha experiência em nada, fui obrigada a trabalhar de empregada doméstica para sustentar meus filhos. Neste período morávamos em Navegantes meu pai faleceu em 1990, minha mãe decidiu voltar para Joinville e assim ficar perto de seus familiares. Quando chegamos m Joinville não queria mais trabalhar de doméstica, consegui um trabalho em uma malharia, porém na limpeza, pois na minha carteira de trabalho só tinha registro de empregada doméstica. Fiquei sabendo que tinha curso de telefonista, secretária e recepcionista, fui logo fazer minha inscrição. Meus familiares tentaram me convencer que não adiantaria, pois não tinha nem mesmo o primeiro grau completo e nem experiência na profissão além de ser muito caro. Não quis ouvir e era a mais pura verdade, não consegui. Fiquei muito frustrada.
Depois de alguns anos, assim que abriu o supletivo em escolas municipais (1993), voltei a estudar, com o propósito de fazer o magistério. Quando estava cursando a sétima série, procurei informações para fazer o magistério. Para mim, a minha formatura do primeiro grau foi uma honra, não quis receber o canudo de uma pessoa que não soubesse da minha história e que não poderia ser outra a não ser a minha “MÃE”. Nós duas choramos muito naquele momento. Aquela formatura não era só minha, era também de minha irmã Valdireni, ela não estava presente. Estava muito doente, e foi para Minas Gerais descobrir o que teria, aqui em Joinville não conseguiram detectar. Eu fiquei muito emocionada quando falaram o nome dela, sendo que não estaria ali perto para dar os parabéns. Em relação a ela, foi constatado que tinha mioma e necessitaria a retirada do seu útero e tudo correu bem graças a Deus.
Com tantas desesperanças, acabou aparecendo o curso tele sala trabalhava de servente para a EBV em uma escola no Quiriri , não pensei duas vezes, voltei para sala de aula, pois queria entrar na faculdade. As pessoas não acreditaram muito, mas... a diretora sabendo que eu queria ser professora acreditava no meu potencial e me deu a chance de lecionar para uma turma de alfabetização para adulto, um programa Brasil Alfabetizado , foi maravilhoso.
Em um período de um ano e quatro meses me formei no segundo grau, minha mãe estava lá e fiz uma linda homenagem a ela, pois sem seu apoio não estaria ali, foi simplesmente lindo! E naquele momento mais uma vez ela me disse que realmente ela tirava o chapéu para mim. Eu senti muito forte o seu amor por mim.
Em 2004, uma professora que trabalhava comigo na mesma escola, sabendo que eu também queria ser professora me incentivou a fazer o vestibular. Disse-me que era gratuita a inscrição e que eu deveria tentar. Isso, uma semana antes do vestibular. No sábado fui fazer minha inscrição e na quarta-feira foi o vestibular. O resultado sairia no domingo e eu não tinha acesso a jornais e internet, fui trabalhar na segunda-feira com esperança de ver no jornal da escola. Bem naquele dia o jornal não foi. Esperei pela professora que me incentivou a fazer o vestibular,, quando ela chegou falou que ela foi aprovada, mas não sabia do resultado geral, porque quem viu foi o marido dela. Eu fiquei pensando que eu não teria conseguido e ela estaria sem coragem de dizer. A diretora ligou para o jornal A noticia reclamando pela falta de entrega, e exigiu que levasse para ela o jornal ou desse o resultado do vestibular por telefone. A atendente pediu o nome da vestibulanda e disse que retornaria assim que tivesse com o resultado nas mãos. Quando ela retornou a diretora me chamou, para que eu tivesse a resposta direto. Nossa! No momento em que ela afirmou que eu teria passado, minha vontade foi de gritar, chorar, sei lá. Pensei em ir embora para falar para minha mãe, meus filhos, meus parentes, dividir a minha alegria! Mas não poderia deixar do meu compromisso de limpar a escola.
A minha família passou a me ver com outros olhos, uma mulher obstinada, perseverante capaz de atravessar todos os obstáculos sociais e culturais com muita dignidade.
Segundo Bourdieu (1999, p.44),
a presença do circulo familiar de pelo menos um parente que tenha feito ou esteja fazendo o curso superior testemunha que essas famílias apresentam uma situação cultural original, quer tenham sido afetadas por uma mobilidade descendente ou tenham uma atitude frente à ascensão que as distingue do conjunto das famílias de sua categoria.


Somente quando me vi lá, nos corredores da faculdade IESVILLE é que percebi que podemos com muito esforço e dedicação passar por cima dos paradigmas cruelmente estruturados pelas classes dominantes, que são os capitais, gerando uma violência simbólica como chama Bourdieu.
Posso até não ter adquirido o capital econômico, mas a cada dia que passa mais vou adquirindo o capital cultural.
Hoje já com graduação completa e terminando com este trabalho de conclusão de curso da pós-graduação em séries inicias. Vejo que tudo é possível se não deixarmos a sociedade dominante dominar e rotular a massa dominada de incapazes.